segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Uma payada

O Sonho do Carreteiro
Luiz Menezes

Carreteou anos a fio.
Conhecia palmo a palmo
as estradas da querência;
Sabia onde dava passo
- no tempo das enxurradas -
aquele arroio sotreta
cemitério de carreta
disfarçado em água mansa
Vira nascer muitos ranchos
nesse corredor sem fim.

Sabia que na picada
logo depois do lagoão,
o umbu do enforcado
dera lenda prás estórias
dos bolichos, das ramadas.

Sabia bem todo o causo
da tapera do repecho:
A maula traíra o guasca
e este sem dó nem piedade,
cortara junta por junta
o belo corpo moreno
daquela indiazinha louca
que se engraçara num piá ...

Mas além, no Passo-feio
vira morrer um tal Juca.
Eram três contra o rapaz.
E como morrerra lindo
aquele guasca sem medo ...
A estória ficou em segredo
pois diz que o tal de mandante
era mui relacionado,
e até contraparente
de um graudaço do povo.

Conhecia palmo a palmo
as estradas da querência,
sempre fora carreteiro.
Envelhecera na lida
sem conhecer outra vida
sem ter outra ocupação.
Tinha por seu ganha-pão
a velha carreta amiga
companheira de cantiga
daquele piazinho vivo
que era, alegria e motivo
de seu final de existência.

Pois ficaram bem solitos
mais amigos do que antes
des’que a finada se fora ...
Por isso sempre de noite
a meia luz do candieiro
ficava horas inteiras
mostrando prá seu piazinho
as letras do ABC.

E o piá com muita memória
decorava uma por uma
as letras que galopeava,
ou por outra, engarupava
nas palavras do jornal.
Como era esperto o guri:
Foi duas, três paletadas
já sabia mais que o pai ...
E foi numa dessas noites
que o velho e bom carreteiro
teve um sonho de repente.
E quasi num gesto louco
gritou prás quatro paredes
enfumaçadas do rancho:
Meu filho há de ser doutor!
Não há de ser carreteiro,
pois estas mãos calejadas
do peso-bruto, da enxada,
hão de sangrar no trabalho
prá que este piazinho feio
viva melhor do que eu ...

Pura e santa ingenuidade!
O arroio-sociedade
prá o pobre nunca dá vau!!
No outro dia cedinho
enveredou para o povo ...

Voltava a velha carreta
A resmungar nas estradas
na viajada da esperança
carregadinha de sonhos.
E o pobre e bom carreteiro
ia falando de tudo
com seu piazinho faceiro
dentro da bombacha nova.

Não esquecia de nada
nos seus conselhos de pai:
Se lá no povo à tardinha
o piá sentisse saudade,
bombeasse prá o horizonte,
que alguém solito decerto
meio tristonho é verdade,
mateando assim com saudade
estaria a lhe esperar ...

Que importa se demorasse,
pois nunca ouvira dizer
que a tal saudade matasse.
Mas nesse dia por certo
Quando voltasse doutor
tudo havia de mudar.
Até o céu com certeza
morada das almas puras
ouviria com ternura
uma indiazinha chorar.

E as estradas da querência
que conhecia demais,
lhe viram passar feliz
com novo brilho no olhar.

Mas lá no povo - cuê-puxa! -
Bateu em todas as portas
clamou por todos os santos
recorreu todos os amigos
- muitos dos quais ajudara -
andou quase mendigando,
Prá dar escola pra o filho
mas ninguém quis lhe escutar ...
E a esperança foi mermando
foi mermando ... e se apagou.

Botou a carreta na estrada
o Piazinho dentro dela
tocou de volta outra vez.
A noite então já chegara.
Naquela enrugada cara
de gigante das estradas
uma lágrima teimosa
veio molhar-lhe o nariz ...

Olhou o filho com carinho,
mas com muito mais carinho
Com mais amor do que antes
e uma queixa derramou:
Quem nasce lutando busca
a morte por liberdade!

Mentira! A tal de igualdade
não existe por aqui ...
Que adianta se amar aos outros
se os outros não dão amor?
Pega a picana, piazinho
e acorda esse boi manheiro,
pois filho de carreteiro
nunca pode ser doutor!!


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Dorival, Tom e meu mano Marcelo

É que hoje é aniversário do Marcelinho, ou Maccelo(assim com entonação italiana), ou bem lá atrás Cecéu, ou Papai Macelo como diz a Clarinha, ou Mano. E fica aqui meu beijo com saudade e o desejo de muitas felicidades, que por teu jeito de ser é encontrada nas coisas mais simples, oque é muito bom.
E já que esbarrei com esta coisa fantástica que é Tom e Caymmi, vai aqui também.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Crônica

Sia Rosaura tirava a dentadura para comer
Por isso ela tinha o sorriso postiço mais sincero da minha rua
Dona Maruca fazia uns biscoitinhos minúsculos, estalantes e secos, chamados mentirinhas
Eduviges era pálida e lia romances lacrimosos de Perez Escrich
Tanto suspirou em cima deles que acabou fugindo com um caixeiro viajante
O tempo se desenrolava como um rio por entre as casas de porta e janela
Pequenas vidas
Pequenos sonhos
Na noite imensa as estrelas eram como girândolas brancas que houvessem parado
Sentados à porta
- dois santos, dois mágicos, dois sábios –
meu velho Tio Libório e o velho farmacêutico
propunham-se e compunham charadas
que depois orgulhosamente remetiam sob nomes supostos
para o grande anuário estatístico recreativo e literário da capital do Estado
Mario Quintana

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Para viver um grande amor,

...primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor...

...Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor...

...Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago, um sobrevivente num tempo de mudanças.

Estávamos almoçando quando em uma chamada de noticiário ouvi sobre a morte do Saramago. Duas ou três mesas pararam, garfos suspensos. Ela arregalou aqueles olhos grandes e lindos, faz pouco perdeu uma artista a qual gostava muito e que a influencia em seus trabalhos. Eu fiquei triste.
O primeiro livro que conheci do Saramago não lembro o nome, não li todo e não sei do que se trata. Não tinha ponto final no livro, nem vígula nada. Sei que usava de um truque em descrições e que estão em outras obras também. Percebi que ali estava alguém que merecia ser lido.
'Jangada de Pedra' veio até mim com seu desabafo de como a Ibérica é outra Europa, de como está a deriva naquele continente. Em 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo' encontrei meu Jesus. Aquele que vale a pena ser imitado. Um ser humano com seus medos e incertezas, e desejos e alegrias. Cujo primeiro milagre foi um ode a alegria.
'Todos os Nomes' é fantástico, e como bem percebeu o meu amigo Gibras, uma história que a princípio não se dá grande valor e que se torna um prazer. Caim é recontado primorosamente, Saramago levava a mesma marca!?
'Ensaio Sobre a Cegueira' rendeu um filme bom e é uma obra prima por tudo. Pela história, pela parábola que é, pela escrita. E por tudo que vai render de desdobramento em torno e dentro de si.

Saramago falando é um vinho de tão bom. Com seu pessimismo, ateísmo, comunismo e todos os ismos que uma pessoa do seu quilate é rotulada, choca, ofende, incomoda, hipnotiza e faz pensar.
O mesmo homem que com firmeza diz "Aqui na Terra a fome continua, / A miséria, o luto, e outra vez a fome." e compara Israel a um novo Golias, se despede de Cuba com "Cheguei até aqui. De agora em diante, Cuba seguirá seu cainho e eu fico.", enternece com sua saudade da infância pobre.
Uma pena, acredito que deixou coisas por serem ditas...

terça-feira, 15 de junho de 2010

Torero


'Seu coração estava aberto em dois como um livro.'

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Clarinha

Padrinho, Clarinha e suas vaquinhas ao fundo.

Ela não veio me visitar porque teria que ajudar o 'Papai Macelo' no sítio, e ainda disse que '...o padinho parece um urso.'.
Desaforada.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Uma vaca e seus berbigão.


Fiz uma experiência banal por estas noites e o resultado se não proveitoso foi deveras inusitado.(Início a la E. A. Poe).
Sempre leio antes de dormir, quando vem o sono ponho o livro ao meu lado na cama. Desta vez além de óculos e livro havia lápis e papel.
A intenção era começar a anotar meus sonhos. (Aqui o texto está ficando igual um Castañeda, que horror).
Assim como todo o mundo, já quis me lembrar oque havia sonhado na noite anterior e não havia conseguido. Ou então acordando na madrugada, o sonho era algo interessante, e pela manhã não havia sobrado nada na memória.
Meu sono, antes agitado, já faz algum tempo está bem melhor, portanto algumas noites se passaram sem os pesadelos outrora tão comuns só acordando com o despertador tocando o CD da vez.
Mas noite passada aconteceu:
Uma vaca, mas não estas vacas de filme, malhadinhas, gordas; era uma vaca de verdade, das que vi nascerem e morrerem e parirem, bezerros e bezerros e bezerros. Pela sua boca um tanto torta identifiquei uma usuária, quando bezerra e talvez até já novilha, das chamadas 'tabuletas', instrumento que quando afixado nas ventas do animal serve para impedi-la de mamar quando isto se torna assim necessário. (Se eu soubesse mexer em photoshop faria uma montagem com uma série de políticos comumente envolvidos em maracutaias, super-faturamentos e tale coisa com a dita tabuleta fincada em suas narinas, seria um medida para evitar que continuem mamando na gordas tetas).
Esta vaca apareceu em minha frente calma, serena, bovina, ruminando, baba escorrendo como de praxe, olhos redondos e enormes e eu me via neles. Só aí entrei no sonho. Eu estava em uma chácara, o tempo era fresco, o dia claro e nada haveria de extraordinário se a mimosa não houvesse me pedido com a voz e trejeitos de boca do Boris Casoy com sotaque ilhéu 'Um quilo de berbigão...' da próxima vez que eu ali voltasse '...pra fazer uns pastel.).

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Cerração

Eis que eis do céu de novo ficar cinza, da chuva outra vez não cessar, do vento dar um jeito de se enfiar casa adentro sabe-se lá por que frestas e do peito apertar sob o peso de cem toneladas de desilusão.
Com o sol a pino fica mais fácil desviar os olhos da navalha de barbear, a mesma que atormentou Harry Heller, com a diferença de que a sua sombra me surge duas décadas antes do que a idade do Lobo.
Como Cortázar, os anos de minha infância passaram envoltos em bruma, daí talvez me venha esta umidade impregnante de banco de jardim, e desde muito cedo não retive atenção ou afeto sobre ninguém, nada era pessoal, ou personalizado. Entendia que a vida seguia o trilho, indiferente, imútavel, e que a nós, insetos deste circo de pulgas, exilados em savanas, pampas e tundras, cabia enfrentar o mais terrível deserto, que é oque existe dentro de nós mesmos.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

l'amour entre deux tortues... doucement e toujours...



Com o tempo...

...andando bem a seu jeito, Devagar e Sempre,eles se encontraram, agora sim, de fato, frente a frente.
Pois que apesar de ser indelével e contínuo, com a sua linearidade já posta por terra, seja por físicos, filósofos ou esta outra casta que tanto conta estrela quanto grão de areia, os escritores, outros encontros, de viés, como que esbarrões, meio de lado(o sorriso com o mais puro azul dos olhos-entre um ônibus e outro) já haviam se dado.
De uma feita, a mesma poça, levara os dois a um salto bem parecido, coincidência que caso voltasse a repetir-se de outras formas acabaria por tirar o plausível da história não nos tivesse já acostumados com o absurdo, companheiro contumaz de nossa estada.
A primeira luz da lua após as três noites escuras de um ciclo lunar que seria como outro qualquer, desde que o satélite de nós se desprendera, também escolhera desenhar a silhueta dos vêrtices desta história, cada um em seu mundo, cada qual em seu chão.
Em uma praça enquanto ele arrancava cabeças de formiga, empinava pipa, subia-descia no escorrega e chutava bola, ela passeava de mãos dadas já que o tempo para um corria enquanto para o outro se espreguiçava para passar.
Quando deu-se o choque do encontro na fronteira das elipses de seus mundos, um vento negro soprava de rastros no chão e com uma lufada capaz de arrancar um baobá pelas raízes ergueu-a até o infinito deixando para trás somente o cheiro de pitanga que ele desde criança sentia não sabia de onde.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Fabulações Reminiscentes



A exposição consiste em cinco obras, fotografia e vídeo, que remetem à memória da artista, sendo que cada uma delas leva um texto de cinco convidados que cumprem o papel de interlocutores de fabulações, presentes tanto na obra quanto no texto.

Diz Ju Crispe:
"A idéia é abordar o universo dos mundos reais e ficcionais a partir da vivência de lembranças. A liberdade dada aos escritores para a criação do texto possibilitou a construção de uma rede de colaboração e de olhares diversificados, tanto na relação texto-obra, escritor-artista, quanto na relação obra-espectador",

A moça é formada em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Santa Catarina, participa de exposições desde 2003, é mestranda na mesma universidade com pesquisas relacionadas à memória e tem experiência em mediação de exposições, entende pacas de arte-educação e foi professora.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Sá, Rodrix e Guarabyra


Jesus Numa Moto

Preso nessa cela
De ossos, carne e sangue
Dando ordens a quem não sabe
Obedecendo a quem tem

Só espero a hora
Nem que o mundo estanque
Prá me aproveitar do conforto
De não ser mais ninguém

Eu vou virar a própria mesa
Quero uivar numa nova alcatéia
Vou meter um "Marlon Brando" nas idéias
E sair por aí

Prá ser Jesus numa moto
Che Guevara dos acostamentos
Bob Dylan numa antiga foto
Classius Clay antes dos tratamentos
John Lennon de outras estradas
Easy Rider, dúvida e eclipse
São Tomé das letras apagadas
E Arcanjo Gabriel sem apocalipse

Nada no passado
Tudo no futuro
Espalhando o que já está morto
Pro que é vivo crescer

Sob a luz da lua
Mesmo com sol claro
Não importa o preço que eu pague
O meu negócio é viver

Sob a luz da lua...
Mesmo com sol claro...
Preso nesta cela...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Dalton Trevisan


Curitibano e arredio. Não gosta de entrevistas, não dá entrevista e nem se deixa fotografar. O conto abaixo foi publicado aqui sem qualquer permissão, se ele achar ruim que apareça...
É dele também a célebre frase sobre Curitiba: 'Cinqüenta metros quadrados de verde por pessoa de que te servem se uma em duas vale por três chatos?'

Segunda lhe Conto...

Uma Vela para Dario

Dalton Trevisan

Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.

Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.

Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.

Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.

A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

Alguém informou da farmácia na outra rua. Não carregaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.

Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.

Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.

Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.

O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo — os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo - só podia destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.

A última boca repetiu — Ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.

Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.

Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.

Texto extraído do livro "Vinte Contos Menores", Editora Record – Rio de Janeiro, 1979, pág. 20.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Aforismos...

'Jorge Vercilo, para mim, é como manga com leite, tenho a nítida impressão que vai me fazer mal'

"Jorge Vercilo, pour moi, est mange manche avec lait, ai la claire impression qui va me faire mal"

EL TORERO, L.B. "Parlant mal des autres et aphorismes". Painel: Leão Baio,2003

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Dia de Janaína

Canto de Iemanjá
(Baden Powell e Vinícius de Moraes)

Iemanjá, Iemanjá
Iemanjá é dona Janaína que vem
Iemanjá, Iemanjá
Iemanjá é muita tristeza que vem

Vem do luar no céu
Vem do luar
No mar coberto de flor, meu bem
De Iemanjá
De Iemanjá a cantar o amor
E a se mirar
Na lua triste no céu, meu bem
Triste no mar

Se você quiser amar
Se você quiser amor
Vem comigo a Salvador
Para ouvir Iemanjá

A cantar, na maré que vai
E na maré que vem
Do fim, mais do fim, do mar
Bem mais além
Bem mais além do que o fim do mar
Bem mais além