quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Poema de Natal

Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Se indo, foice...

Daqui de cima eu via ele chegar meio de lado, se ladeando. Beiço caído, cabeça em pêndulo rotativo sobre o pescoço magro, queixo agudo quase que roçando o peito.
-Tá quente, hein? Porra!-ou frio, conforme.
Mais de perto, o cabelo ralo e fino, o casco da cabeça manchado de sol e caspa.
Pegava, pagava oque fosse e se ia.
Assim se foi.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Formei-me em Farmácia, e na bebida busco esquecer...

-Torero, com esta frase vc me deixa mais deprê, vê se me ajuda né!?

-Tu não estás contente? Achas uma merda oque escolheste? Sim, porquê nem todos leram com estes olhos isto que escrevi.
Quando digo que um 'A' pode ser lido não de duas, dez ou cem maneiras diferentes e sim de quantos olhos forem capaz de identificar este símbolo, não estou exagerando.
Oras, Farmácia é um curso fantástico, e por diversas razões. São muitos os caminhos a serem seguidos na profissão e nos dá uma visão técnica e alheia a misticismos, é característica do curso este questionamento...funciona? mesmo? como? me mostre!! me prove!
Por isto que bebo!
Me chegam todos os dias miles de explicações, de respostas, de crentes em tudo...lacanianos, sartreanos, budistas e espíritas.
E só bebendo consigo me satisfazer com respostas que não me trazem nenhum gráfico, nenhum experimento padronizado e nenhum ponto fora do Q90.

sábado, 14 de novembro de 2009

Cordeona


Feliz do guasca, Cordeona!
Que te conhece os segredos
Te arranca a alma com os dedos
E o coração traz à boca
Que traduz a ânsia louca
Na melodia que lavra
Substituindo a palavra
Por tua linguagem rouca

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Eleições 1989

Lendo, como sempre faço, o blog do Darwinista (está ali do lado o link), me veio uma porção de lembranças das eleições de '89.
Poderia seguir na mesma linha que ele: decepção, apreensão, falta de perspectiva...porém, em meu caso, as eleições seriam as de 2002, quando, já na faculdade, via uma esperança. Os mais velhos poderão dizer que já não era época de ilusões, mas com pouquíssimas exceções alguém de minha geração e com uma queda pela esquerda não ficaria eufórico e, confesso, com lágrimas nos olhos quando do resultado no final de outubro daquele ano.
Tinha sete anos na época, nascido que sou em '82, lembro de uma ou outra coisa. Como uma menina de minha sala perguntando se era verdade que o Lula iria pôr uma estrelinha vermelha na bandeira do Brasil. A música do Dr. Ulysses, o bordão do Afif, meus amigos falando em Collor(influência da família) e a dificuldade que era arranjar um 'decalque' do Brizola. A alegria de meu pai e do Tio Bolívar quando pregaram na Caravan deste e na nossa Rural o tal adesivo.
Os risotos do comitê, destes só lembro que, ao contrário dos de minha mãe, levavam milho e ervilha.
No mais, o que eu poderia dizer de fatos de uma época, que por muito novo, só ficaram estas esparsas lembranças é isto.
Já da várzea que estamos, do incerto que virá, dos logros que aos vinte e tantos anos já tomamos(isto é dialogismo?), de futebol ou Sobre Heróis e Tumbas falemos em uma mesa de bar.
Que que achou?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A primeira ponte aérea a gente nunca esquece.

Apesar do Bistrô da Ponte ser conhecido por servir pratos variados tendo como influência a culinária dos muitos imigrantes que para o Brasil vieram, o jantar a bordo foi bem brasileiro, com feijoada light, arroz branco, farofa e couve mineira refogada, sendo esta última a minha principal fonte de preocupação pois não queria 'apear' do avião com um pedacinho da dita entre os dentes.
Terminada a refeição, fiquei olhando para aquela cumbuquinha, garfos e facas de plástico a pensar: E agora, Torero?
Na outra fileira de poltronas o moço de terno externava uma mesma expressão de, sei lá, desalento?
Retirei a etiqueta com a validade e colei na capa do livro que estava lendo. Um souvenier.
O livro? 'As Nuvens', de Juan José Saer, muito bom, por sinal.

;Rio de Janeiro, lua cheia, primavera de 2009.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Questões....

De uma parte de minha exposição, em uma mesa de bar, do porquê de urinar na rua.

"É um costume terrunho, telúrico, entranhado em mim. Verdadeira herança cultural, pois ao me levantar da frente da tela do computador e me dirigir tranquilamente até debaixo do pé de chuchu, nada mais faço que repetir o ato de meus avós e tataravós que boleando a perna de um cavalo, equilibrando-se na proa de uma canoa ou dando uma trégua no serviço dos arrozais, urinavam ao céu aberto sem peso na consciência."

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pássaro Perdido

Aqui entre nosso pai e o Barroso


De uma feita, queria por força, que meu mano Marcelo viesse embora para Florianópolis comigo. Aqui era o melhor para ele, pensava eu.
Hoje vejo que, guardadas as devidas proporções, seria um pássaro perdido...

Pássaro Perdido
Os Posteiros

Bom cavalo, arreio bom
Pilcha simples, bem cuidada
E uma estampa de monarca
Mesmo tendo quase nada

Palha, fumo, carne gorda
Erva buena não faltava
Pro índio flor de campeiro
Serviço sempre sobrava

Veio a visão da cidade
E o pago se fez lembrança
Hoje amarga a dura lida
Num pôr-de-sol de esperança

Cativo ao brete das ruas
Como pássaro perdido
Negaceando alguma changa
Pro prato tão diminuído

Por isso, quando se encontra
No espelho fundo de si
Ouve o tempo debochando
"Bem-te-vi, já te vi bem
Já te vi bem, bem-te-vi"

Ouve o tempo debochando
"Bem-te-vi, já te vi bem
Já te vi bem, bem-te-vi"

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Tropa Amarga

A tropa se perde espargindo searas de angústia revolta
Palpita no seio da massa faminta este grito de horror
O rancho sucumbe na leva que passa socando misérias
E a muito secaram nas bocas exangues palavras de amor
Emigram dos campos as mãos calejadas do pobre rural
Na van esperança de abrirem caminhos além horizonte
Mas logo as estradas crivadas de cruzes demarcam fracassos
E a tropa se arrasta de sede de fome bem perto da fonte
No exôdo triste os olhares são preces num cantico barbáro
Perduram só lendas oriundas de glórias de há muito sepultas
Olhai esta tropa senhores da terra de nomes ilustres
E vejam o abismo cavado na senda por forças ocultas,
Penetrem no rancho senhores da terra de nomes ilustres
E vejam o pampa aquecendo tristezas num fogo de chão
E ouçam o ronco da cuia de mate gritando revolta
Da terra que amamos, do amor que é fartura do trigo que é pão
Encilhem seus pingos enquanto esta tropa cansada descansa
E sangrem depressa o boi Desengano que é muy caborteiro
Pois tropa de fome não teme aramado nem tem consciência,
e o boi Esperança rondando a tapera morreu no potreiro.
Dêem redeas ao progresso porque a tradição não tem medo do tempo
Se a honra perdura o Rio Grande está salvo sairá do abandono
E o grito do índio, ecoando no pago dirá novamente:
Esta terra tem dono, esta terra tem dono, esta terra tem dono.

Luiz Menezes.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Ando enfastiado, Fígado!

Sou um homem doente… Sou mau. Nada tenho de simpático. Julgo estar doente do fígado, embora não o perceba nem saiba ao certo onde reside meu mal. Não me trato, e nunca me tratei, por muito que considere a medicina e os médicos, pois sou altamente supersticioso, pelo menos o bastante para ter fé na medicina. (Possuo instrução suficiente para não ser supersticioso e, no entanto, sou…) Não, se não me trato é por pura maldade: é assim mesmo. O senhor não compreenderá isto, por acaso? Pois compreendo-o e basta. Não há dúvida de que eu não conseguiria explicar a quem prejudico neste caso, com a minha maldade. Compreendo perfeitamente que, não me tratando, não prejudico a ninguém, nem sequer os médicos; sei melhor do que ninguém que só a mim próprio prejudico. Não importa; se não me trato é por maldade. Tenho o fígado doente? Pois que rebente!

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Vamos sumir.

Título:Loucos de Cara
Autor:Vitor Ramil

Vem anda comigo pelo planeta
Vamos sumir! vem nada nos prende ombro no ombro vamos sumir!
Não importa
Que deus jogue pesadas moedas do céu
Vire sacolas de lixo pelo caminho
Se na praça em moscou
Lênin caminha e procura por ti
Sob o luar do oriente
Fica na tua
Não importam vitórias
Grandes derrotas, bilhões de fuzis
Aço e perfume dos mísseis nos teus sapatos
Os chineses e os negros
Lotam navios e decoram canções
Fumam haxixe na esquina
Fica na tua
Vem anda comigo pelo planeta
Vamos sumir! vem nada nos prende ombro no ombro vamos sumir!
Não importa
Que lennon arme no inferno a polícia civil
Mostre as orelhas de burro aos peruanos
Garibaldi delira
Puxa no campo um provável navio
Grita no mar farroupilha
Fica na tua
Não importa
Que os vikings queimem as fábricas do cone sul
Virem barris de bebidas no rio da prata
M'boitatá nos espera
Na encruzilhada da noite sem luz
Com sua fome encantada
Fica na tua
Poetas loucos de cara
Soldados loucos de cara
Malditos loucos de cara
Ah, vamos sumir!
Parceiros loucos de cara
Ciganos loucos de cara
Inquietos loucos de cara
Ah, vamos sumir!
Vem anda comigo pelo planeta
Vamos sumir! vem nada nos prende ombro no ombro vamos sumir!
Se um dia qualquer
Tudo pulsar num imenso vazio
Coisas saindo do nada
Indo pro nada
Se mais nada existir
Mesmo o que sempre chamamos real
E isso pra ti for tão claro
Que nem percebas
Se um dia qualquer
Ter lucidez for o mesmo que andar
E não notares que andas
O tempo inteiro
É sinal que valeu!
Pega carona no carro que vem
Se ele é azul, não importa
Fica na tua
Videntes loucos de cara
Descrentes loucos de cara
Pirados loucos de cara
Ah, vamos sumir!
Latinos, deuses, gênios, santos, podres
Ateus, imundos e limpos
Moleques loucos de cara
Ah, vamos sumir!
Gigantes, tolos, monges, monstros, sábios
Bardos, anjos rudes, cheios do saco
Fantasmas loucos de cara
Ah, vamos sumir!
Vem anda comigo pelo planeta
Vamos sumir! vem nada nos prende ombro no ombro vamos sumir!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Dom Quixote, lírios e loucos.

Bueno! Terminei de reler o Dom Quixote. Novamente me encantei com aquele doido, maluco beleza.
Os loucos são uma espécie de inocência e alegria-tudo junto e misturado-encarnadas em um lírio. Há coisa mais efêmera que lírio? Sim claro que há. Mas lírio é muito frágil, agora está! e mais um pouco que é dê? Meus manos colhiam uns lírios que cresciam em volta de casa, teimosos lírios, contrariando quaisquer expectativas já que seus pés eram ceifados e ceifados pelo cortador de grama. Mas todo ano lá estavam, meus manos os colhiam e levavam à minha mãe e faziam bem, pois que logo já estariam murchos.
Lírio é a flor dos loucos. Pronto, está dito. Rosa não. Rosa é perene e a razão também o é. Por isto são, ambas, monótonas.
Nada me parece mais passageiro que um louco. Não há aquela certeza de que amanhã tu vais te encontrar com o louco municipal, que todo dia, há 15 anos, vê toda manhã. O jornaleiro, padeiro e farmacêutico estarão com certeza. O giro? Sabe-se lá. Os louquinhos tem sempre algo em sua constituição que é de uma fragilidade de bibelô. Podem pesar 150 quilos e ter um e noventa de altura. Agora, olhem seus pés. Calçam 36.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Uma música

Hoje, vindo para a farmácia e ouvindo minhas músicas, uma, mais uma vez, me trouxe pai, mano e avôs na lembrança.



A semente dos meus dias
atirei por esse chão.
Me cumpri como vivente
e não vi a plantação.
Com o remendo da esperança
remendei a minha vida.
Mas um dia a vida cansa
de ser rasgada e cerzida.
Ganhou um véu de sementes
minha mulher no labor.
Amando me plantei nela
nasceu um novo semeador.
Abrindo sulcos na terra
sementes lancei a esmo:
esta terra está pedindo
que agora eu plante a mim mesmo.